A
Quaresma de 2016 não pode ser simplesmente como as anteriores. Ela
coloca-se no coração do Ano Santo da Misericórdia. Isto impõe que demos
um tom apropriado ao percurso dos quarenta dias que preparam a Páscoa,
como nos sugere o Papa Francisco: “A Quaresma deste Ano Jubilar seja
vivida mais intensamente como tempo forte para celebrar e experimentar a
misericórdia de Deus”(MV 17) e assim a nossa vida adquira um espírito e
estilo de misericórdia.
O
Santo Padre acaba de publicar a sua mensagem para a Quaresma com o
sugestivo título “Prefiro a misericórdia ao sacrifício (Mt 9, 13). As
obras de misericórdia no caminho jubilar”. Nela oferece-nos propostas
concretas. Destaco as seguintes.
Escutar a Palavra de Deus
“A
misericórdia de Deus transforma o coração do homem e fá-lo experimentar
um amor fiel que o torna por sua vez capaz de misericórdia”. Para isso
devemos primeiro pôr-nos à escuta da Palavra de Deus. Só assim podemos
descobrir o rosto misericordioso do Pai, aprofundar a riqueza da
misericórdia e as atitudes correspondentes no nosso estilo de vida e nas
relações. Para este efeito temos à disposição o retiro popular sob o lema “A graça da misericórdia sob o olhar de Maria”. Peço encarecidamente a todas as comunidades o melhor empenho na organização desta caminhada espiritual.
Também a iniciativa ”24 horas para o Senhor”,
a realizar nos dias 4 e 5 de março, é uma oportunidade de escuta orante
da Palavra num momento intenso de oração e adoração: “A misericórdia de
Deus é de facto um anúncio ao mundo: mas cada cristão deve fazer
pessoalmente experiência de tal anúncio”.
Este
momento deverá ser bem preparado para que tenha qualidade e envolvência
de grupos e movimentos das comunidades. É aconselhável que aí também
seja oferecida oportunidade para o sacramento da reconciliação.
Celebrar o sacramento da reconciliação
A
valorização do sacramento da reconciliação é um dos aspetos que mais
deve caraterizar a renovação espiritual e pastoral do Ano da
Misericórdia. Neste sentido, o Papa faz um apelo premente: “Com convicção ponhamos novamente o sacramento da reconciliação no centro, porque
permite tocar sensivelmente a grandeza da misericórdia. Será, para cada
penitente, fonte de verdadeira paz interior”(MV 17).
Por
conseguinte, é necessário redescobrir a importância deste sacramento.
Embora todos os sacramentos sejam sinal da misericórdia de Deus, o
sacramento da penitência e da reconciliação é o momento e o lugar em que
experimentamos a compaixão de Deus do modo mais direto, mais imediato,
mais íntimo e mais concreto e recebemos o dom do perdão quando em nome de Jesus nos é dito: “Os teus pecados estão perdoados”, com a fórmula da absolvição.
Antes
de colocar o acento nas obras do penitente ou na fadiga da confissão,
devemos colocá-lo primeiramente na confiança na graça do perdão, no que
Deus é capaz de realizar em nós. Assim, na catequese e na pastoral deve-se evidenciar que se trata de um sacramento da cura e, por isso, da alegria:
a alegria do perdão, do regresso à casa do Pai, da cura das feridas
interiores, da reconciliação com Deus e com os outros, de reencontrar e
aprofundar o gosto do bem, de readquirir a serenidade e a paz interior,
de progredir no caminho da conversão
A
atitude dos ministros do sacramento – os confessores – deve ser a de um
pai. A sua primeira tarefa é acolher mesmo quem se encontra em
situações difíceis: um acolhimento cordial, compassivo, paciente e
respeitador da dignidade e da história pessoal de cada penitente. Enfim,
como afirma o Papa Francisco, “todos deveriam sair do confessionário com a felicidade no coração, com o rosto radiante de esperança”.
Praticar as obras de misericórdia
O
tempo da Quaresma é também ocasião para viver e testemunhar a
misericórdia com gestos concretos. O Santo Padre insiste pois na prática
das obras de misericórdia.
“Como
não desejar que todo o povo cristão – pastores e fiéis – redescubra e
ponha, de novo, no centro as obras de misericórdia corporais e
espirituais durante o Jubileu?
E
quando no entardecer da vida nos for perguntado se demos de comer a
quem tem fome e de beber a quem tem sede, de igual modo nos será
perguntado se ajudámos as pessoas a sair da dúvida, se nos esforçámos a
acolher os pecadores, advertindo-os ou corrigindo-os, se fomos capazes
de combater a ignorância, sobretudo aquela que se refere à fé cristã e a
uma vida boa. Esta atenção às obras de misericórdia é importante: não
são uma devoção. É a concretização de como os cristãos devem pôr em
prática o espírito de misericórdia.
Nestes
anos, uma vez recebi um movimento importante na Aula Paulo VI e fiz a
pergunta. “Quem de vós recorda bem quais são as obras de misericórdia
corporais e espirituais? Quem as recorda, levante a mão”. Não foram mais
de vinte pessoas a levantar a mão, numa sala onde estavam sete mil.
Devemos começar de novo a ensinar aos fiéis esta realidade que é tão
importante”.
Sugiro
pois que cada um de nós faça o propósito de praticar, ao longo da
quaresma, uma obra de misericórdia corporal e outra espiritual.
Também
nesta perspetiva anuncio que o contributo penitencial desta Quaresma se
destina a uma iniciativa de apoio social e económico a grávidas em
dificuldade, que vamos implementar na nossa diocese através da Cáritas
Diocesana. Não basta lamentar-se da chaga do aborto; são precisas
iniciativas concretas para prevenir.
Com Maria, Mãe de Misericórdia
Nesta caminhada quaresmal insere-se ainda a nossa peregrinação diocesana a Fátima no V domingo da Quaresma, a 13 de março,
sinal do nosso caminhar juntos como Igreja “Com Maria, Mãe de
Misericórdia”. Peço que nas comunidades se incentive uma boa preparação.
“Não percamos este tempo de Quaresma favorável à conversão”,
como pede o Santo Padre. É tempo para crescer na escuta da Palavra, no
acolhimento do perdão de Deus no sacramento da reconciliação e no
exercício das obras de misericórdia para abrir os olhos e o coração aos
pobres e aos que sofrem. O canto do Magnificat da Virgem Maria, mãe de
Misericórdia, ajuda-nos a todos a ver a nossa história, pessoal e
coletiva, com o olhar de Deus misericordioso “que derruba os poderosos e
exalta os humildes”.
António Marto, bispo diocesano de Leiria-Fátima